[ Entrevista ]
Mario Mantovani está há 32 anos à frente da Fundação SOS Mata Atlântica
Pensar global, agir local
[ Texto: Simone Leticia Vieira / Foto: Luciano Vicioni - WM Photo Studio ]
Sustentabilidade de verdade: um bate-papo com Mario Mantovani sobre a relação do tema com a minha, a sua, a nossa vida enquanto cidadãos.
E
le é a voz da sustentabilidade no Brasil, embora não se intitule como tal. Ambientalista, geógrafo e dono de uma generosidade e de um carisma sem fim, Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, se podemos ter a liberdade de assim resumir. “Estou sobrevivente. Já se vão 40 anos de meio ambiente, 32 só na SOS Mata Atlântica”, sorri.
Em um bate-papo despretensioso, mas cheio de brilho nos olhos e muito conhecimento de causa, Mario nos conta como é simples praticar a sustentabilidade e ser parte dessa corrente pelo bem do planeta. Porque sim, o problema do mundo parece enorme e de outra pessoa, mas é tão meu, quanto seu, como nosso. E é avaliando as atitudes do dia a dia, os hábitos de consumo e a sua relação consigo mesmo, com a natureza e com o outro, que você vai poder agir aqui e agora pelo futuro.
Como foi trabalhar com esse tema no início da sua carreira?
Eu comecei em 1973. Nos anos 70, tinha o movimento de contestação. Eram os hippies, dizendo “o mundo de vocês não é o que eu quero, as suas guerras não nos interessam”. A gente tinha um trabalho de paz muito forte. Nessa época eu lutava contra as usinas nucleares, ou melhor, contra a bomba atômica, pois a gente tinha aquele pavor da Guerra Fria. Todo esse contexto foi me levando para esse mundo, me fazendo entender várias coisas e me colocando em vários lugares. Quando vi em 1972 a Conferência de Estocolmo dizer “pensar global é agir local”, aquilo me impactou. Achava uma mensagem tão forte! Porque às vezes o problema quando é no mundo é tão insolúvel que você pensa: “Eu não vou dar conta, é demais, como vou mudar o clima do planeta?” E para mim a lógica era: “E o que resolve? É plantar uma árvore? Então eu vou fazer”. E isso é passional, algo que eu posso fazer. Acho que este passou a ser meu tema pela vida.
Não dá para ficar só de olho no que acontece em Brasília, a gente tem que ver o que pode fazer aqui e agora. É no meu município, na minha rua, na minha coleta seletiva.”
Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
De lá para cá, o que mudou?
Depois dos anos 80, criei os conselhos de meio ambiente. O que faço é levar os temas ambientais para os municípios, crio uma associação de municípios e meio ambiente, venho para a SOS Mata Atlântica com essa pegada e depois vou fazer advocacy em Brasília, onde fiquei 14 anos lutando pela Lei da Mata Atlântica. E acabei gostando. É uma área de grande desafio na política do Brasil e que cresceu muito. Por meio desse trabalho posso fazer enormes contribuições, mas também trazer perspectivas de ação. Não dá para ficar só de olho no que acontece em Brasília, a gente tem que ver o que pode fazer aqui e agora. É no meu município, na minha rua, na minha coleta seletiva. É lógico que o que vamos buscar lá em Brasília é incentivo, para que aquelas cooperativas possam ter bons frutos. Então a gente vai trabalhando as políticas públicas.
E a Fundação SOS Mata Atlântica?
Uma organização como a SOS Mata Atlântica é genial. Não é um bando de ambientalista, tem cientistas, empresários, comunicadores e também ambientalistas, por que não? A SOS Mata Atlântica é essa diversidade. Temos muitos parceiros, desde grandes companhias a empresas familiares. É como um catalizador das iniciativas de quem está fazendo o bem e cada um tem a sua escala. Por exemplo, um pode plantar 75 mil árvores, eu só posso cinco. Mas já são 75 mil mais cinco. Se tiver mais dez, mais mil, a gente vai avançando. Essa é a ideia que a gente tem como organização. É um jeito legal para a gente trabalhar. No transporte, por exemplo, quando você está levando mercadorias de um lugar para o outro, quando você está levando gente no ônibus, você tem um alcance muito grande, então qualquer atitude é uma forma de inspirar mais gente a fazer o bem também. Eu me entusiasmo.
Passamos por um período em que sustentabilidade para a empresa era vista como custo ou separação de lixo e plantação de árvores. Agora, as empresas têm entendido os impactos na rentabilidade. O que você acha que vai acontecer no futuro?
Agora não tem mais papo. Acredito muito mais nesses sinais que vêm de fora da bolha. Às vezes, a gente idealiza um mundo de natureza, mas você tem que estar atento ao que está além. Para citar um exemplo, fui conhecer uma fábrica de chá mate em uma cidade ao lado de Curitiba, junto com um executivo turco. O espaço foi apresentado como a fábrica conceito em sustentabilidade da marca. Tinha geração de energia solar e o site economiza 25% no consumo de energia. Foi o que mais chamou a atenção do executivo. Ele só repetia: “Aqui economiza 25%! Por que a gente não tem isso lá?” O que eu quero dizer com isso é que não sou eu, Mario, dizendo que vale a pena investir em sustentabilidade. Às vezes, você vê o presidente de uma companhia mundial vindo para o Brasil para ter uma aula e ver que sustentabilidade é um bom negócio para a empresa. Acho que isso foi tomando proporção e indo para todos os cantos de investimentos. E aí quando a fábrica começa a fazer a primeira iniciativa de reciclar, ela pode ser pequena, mas foi ela que conquistou aquele espaço e depois a empresa entende que pode fazer muito mais. É preciso ter o processo que dispara. Uma atitude que alguém percebe.
O que você achou do novo caminhão a gás e biometano que a Scania trouxe para o mercado brasileiro?
Eu sou fã dessa história. Até porque a gente aprendeu aqui que a economia do biometano é quatro vezes menor quando se fala em emissão. A engenharia está aí para trazer essas soluções. E era coisa que a gente jogava fora. Ninguém valorizava o biometano. Fui essa semana em uma reunião com uma empresa que é um grupo de energia e eles estão falando de biometano para ser usado em cidade, em larga escala. É o sonho de todo mundo. A gente produz tanto lixo, tanto resíduo. Por que não ter uma solução para um problema que a gente mesmo gera? Acho isso o máximo, mostra que a humanidade não está perdida, tem solução.
Então você é otimista? O mundo tem jeito?
Quem viu os anos 70 como eu, as fábricas poluírem como poluíam, e vê hoje, percebe que nós avançamos muito. As distâncias são estelares! Estamos falando do mesmo País, do mesmo Estado, da mesma cidade, da mesma condição de ser um Brasil independente com tanta riqueza. Acho que a gente avançou absurdamente e quem não entender isso vai ficar varrido, à mercê do mercado. É um processo civilizatório. Do mesmo jeito que quando inventaram a roda o mundo mudou. Quando descobriram o fogo, também. Talvez a sustentabilidade possa ser essa chave para uma nova virada. É muito evidente. Quando que você pensaria no Arla, em baixa emissão com o gás, em veículos elétricos, em carro que anda sozinho? Estamos em um outro mundo.
Você acha que a tecnologia pode atrapalhar esse movimento de evolução? A velocidade com que ela proporciona o desenvolvimento não te assusta?
Não, pelo contrário. Ela acelerou. O mundo mudou, não tem como mais você sair sem usar um aplicativo de transporte, pedir sua comida pelo celular. Vai chegar o momento em que você vai poder pesquisar onde tem a coleta seletiva do vizinho para utilizar, onde vai poder descartar sua bateria, seu celular velho que não vale mais a pena consertar, tudo com o uso da tecnologia. A própria logística reversa já está se consolidando. Eu sou muito fã de tecnologia para soluções. Penso que é muito mais oportunidade que dificuldade. Não fico com medo, acho genial.
O que tem acontecido ao redor do mundo, além dos debates e acordos que a gente acompanha na mídia? O que é ou será tendência?
O clima é o tema que o mundo escolheu para falar por, pelo menos, pela próxima década. E talvez outra coisa que percebi muito nesses eventos que participo e nas viagens é a questão do consumidor, das nossas escolhas. É aquela coisa: não basta apontar o dedo e dizer que o governo não faz. O produto que eu escolho tem uma origem, é de uma cooperativa, é orgânico, é de produção familiar. Ou a empresa que vai vender alguma coisa vai dizer que você pode comprar porque tem uma reserva legal. Essa é a tendência. As soluções já estão muito visíveis, a gente precisa começar a se apropriar delas e trazer isso para as demandas que são maiores. Como vai ser a questão do clima, por exemplo. Não vai ser a minha emissão que vai piorar o planeta. Então eu vou ter cuidado nas coisas que vou consumir. Imagina a revolução que foi o LED, por exemplo, ninguém mais comprou da outra lâmpada. E ela baixou o custo e hoje todo mundo tem acesso.
Por falar em escolhas, você acredita que os novos hábitos mudarão a crença que existe hoje de que se a solução é sustentável, ela custa mais caro?
Foi o que aconteceu com o orgânico. Hoje, o produto orgânico cresceu em valor exponencial no Brasil. As pessoas estão preocupadas com a saúde, com o veneno, e o próprio mercado não admite mais. Se tiver resquício de algum produto proibido, não vai ter saída. E é assim que o movimento começa.
Quando se fala de aquecimento global, alguns estudos confirmam o derretimento das geleiras se não tomarmos atitudes drásticas, enquanto outros pesquisadores dizem que isso é balela. Qual sua opinião a respeito?
Eu sou geógrafo. As emissões que o mundo tem hoje são muito violentas, mais do que muitos vulcões. Temos histórias geológicas que mostram que a Terra mudou a partir de vulcões que mataram os grandes répteis do mundo, por exemplo, e existem inúmeros registros disso. O que a gente está fazendo hoje não vai torrar as pessoas como se fosse um forno de micro-ondas. Os sinais são diferentes. Vamos pegar a última chuva forte de Belo Horizonte como exemplo. Você tinha uma chuva com essa intensidade recorrente a cada 100 anos. Depois a cada dois anos. Agora, já é de ano em ano. Então, o clima está realmente mudando. Você tinha momentos em que a Terra ficava fria, depois ultra quente, mas eram os ciclos naturais. Nós estamos rompendo isso. Nós tiramos tudo aquilo que a Terra guardou de petróleo com a questão do carbono e colocamos para fora. Está esgotado. E não é que isso some, isso está aqui. Não é que foi embora para o céu, isso fez um efeito cumulativo ao longo do tempo. É como a gente comer produto com veneno. Não mata agora, mas em algum momento vai aparecer. Nós nunca convivemos com isso. Se estão dizendo que está aquecendo, quais as evidências? O aquecimento do mar? Quais as medidas? Isso permite fazer esse tipo de avaliação. Se fizermos um estudo profundo, você vai ver uma geleira no Polo Sul, há 5 mil anos, o quanto tinha de CO2, e pode ver o quanto tem hoje para comparar. Há possibilidade de fazer estudos que são sérios. E quando você vê a maioria dos cientistas do mundo, que são sérios, dizerem que isso é um problema, acho que tem que haver um sinal de alerta. A humanidade ainda tem coisas horríveis, que o mundo não conseguiu superar, mas a própria civilização vai dizer o que não interessa mais. No caso do clima, é violenta a alteração. Acompanho todas as conferências, sempre vem esse questionamento para a gente. Há muitas evidências e são cientificamente comprovadas.
Economia de baixo carbono é aquela em que não há desperdício. Ou de comida, ou de roupa, ou de coisas de que não vou precisar. É saber que você pode viver com menos. É uma reconexão com a natureza.”
Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.
O que é uma economia de baixo carbono? E o que isso faz de diferença na minha vida, na sua, na nossa?
Se você analisar a mudança de clima do planeta, você vai pensar “quem sou eu”? Como eu, no meu dia a dia, consigo fazer impacto no mundo? Você não, mas milhões, bilhões, já muda tudo. Acho que temos que fazer aquela escala do pensar global, agir local. O mundo está entendendo que mudou, mas qual a minha atitude? É a minha separação do lixo, não usar energia em excesso, não desperdiçar água, plantar árvore. Fico imaginando, às vezes, as pessoas cuidarem da árvore que fica em frente à casa delas. Muitas dizem: “cai sujeira”. Mas aquilo não é sujeira, o que cai é folha, faz parte do ciclo, outono, primavera, verão, inverno. Se você não conseguir entender essas coisas mais básicas, esses sinais que a Terra dá, não consegue conviver com a natureza. Então penso que a economia de baixo carbono é aquela em que não há desperdício. Ou de comida, ou de roupa, ou de coisas de que não vou precisar. É saber que você pode viver com menos. É uma reconexão com a natureza. As pessoas não vão mais a parques, a praças, não põem mais o pé na grama. E porque isso é uma economia? Porque eu não vou ficar doente, não vou ter estresse, ansiedade, depressão, não vou tomar remédio. Acho que é essa a história da economia de baixo carbono. Porque ela está trazendo um novo modo de vida. O carbono é um indexador. Em algum momento, poderíamos dizer, que o PIB para o mundo era o indexador da economia e agora o carbono é para a economia e a sustentabilidade.
Dá para fazer essa “conta”?
Sim. Algumas cidades têm muita emissão e você associa isso a problemas de saúde. Então, baixar a emissão nessa cidade pode ser um jeito de melhorar a saúde. Acho que ter o carbono como indicador de qualidade de vida é mais uma oportunidade civilizatória e não só ver o carbono ligado ao petróleo, porque isso também está com os dias contados. Precisamos ver o carbono no lixo, no esgoto, e isso não ser associado a um só problema, mas à qualidade de vida das pessoas. Se eu tenho tratamento de efluentes, eu tenho melhor qualidade de vida, tenho um rio melhor. E olha que interessante, quando você fala que tem um rio, você tem milhões de pessoas que se beneficiam. Isso é o que faz a economia de baixo carbono.
Sustentabilidade é também trabalhar as relações, trabalhar o outro?
Isso o meio ambiente te permite. Não estamos falando do business, mas do coletivo, daquilo que faz sentido e traz melhoria para todo mundo. Você não faz só para você mesmo, mas para o todo. E isso pegou, desde a Greta [Thunberg] que fala “o que vocês estão fazendo para melhorar o planeta que eu amo ver?” até atitudes empresariais que vêm se transformando. Estamos fazendo a nossa parte.
Então essa reconexão com a natureza pode ser capaz de mudar as pessoas e a forma como elas se relacionam?
Acredito que as pessoas vão se reconectar, até mesmo por meio da tecnologia. É um novo mundo. Sou muito otimista. Estamos indo bem, dá para fazer uma boa história boa. E é isso que me anima.